segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A vida vitoriosa de William Bonner.

 São Paulo, 28 de Novembro de 1988.

­­­­­­-  Vem na minha sala, por favor.

Bonner conhecia o dono daquela voz. Quem fazia o chamado do outro lado da linha telefônica era o diretor de jornalismo Armando Nogueira. Com mais de 30 anos de carreira, Armando já era considerado um mestre sagrado das palavras e Bonner – assim como o restante da equipe - não escondia a admiração pelo experiente cronista.

Depois de três toques na porta, a voz Armando ecoa em alto volume e tom simpático.

- Entre filho...

Mal apertaram as mãos e Nogueira foi logo perguntou

- Já pensou em morar no Rio de Janeiro?
- Eu? Retrucou Bonner
- É. Copacabana, Cristo Redentor ...Jardim Botânico.Jardim Botânico meu filho!

Bonner logo entendeu o que Nogueira queria dizer. Durante os anos 80 todos os programas importantes do jornalismo “Global” eram produzidos na suntuosa sede da emissora carioca.

Não por acaso esta mesma sede era muito bem localizada no Jardim Botânico, bairro de classe média alta da zona sul do Rio.

- Mas...mas Nogueira, eu sou paulistano.E você sabe que aqui na empresa quem não tem sotaque “experto”, sotaque de malandro, não é promovido .E afinal, eu estou muito bem como editor do SPTV.

Armando, que já era profissional antes de Bonner nascer, não perdeu tempo e soltou uma de suas maravilhosas pérolas misturando experiência de vida e futebol, sua eterna paixão.

- Filho, o medo é como a lei de impedimento. Existe, é importante, mas não é por isso que você vai deixar de fazer gols...

Pensativo, Bonner sabia que a partir daquele momento seu destino estava traçado. Sua próxima e definitiva parada seria a cidade maravilhosa.

Mas antes do final da reunião Armando fez uma cara séria e entregou um papel para Bonner.

- Pegue este endereço. Procure uma pessoa chamada Dona Roseli. Ela vai lhe ensinar os mesmos caminhos que me tornaram um vitorioso no Rio de Janeiro.
 
Rio de Janeiro, 25 de marco de 1989

Um mês após a chegada à capital fluminense a vida de Bonner lembrava muito o trânsito de São Paulo: Estava uma merda...

Um diretor havia prometido uma vaga no Jornal da Globo – e hoje sabemos que a promessa foi cumprida - , mas a incerteza no projeto misturada com a ansiedade de um paulistano recém chegado ao Rio deixavam o cenário cada vez mais inóspito.E para não dizer que Bonner estava às voltas com a solidão, a gastrite passou a ser a mais presente companheira durante os seus primeiros meses na cidade maravilhosa.

Após abrir o segundo maço de Marlboro do dia, Bonner lembrou da conversa com Armando. E como o tópico final entre os dois foi “Vitória no Rio de Janeiro”, William foi logo procurar o papel com o tal do endereço. Amassado ao lado da velha maquina de escrever, o seu conteúdo era curto e objetivo.

“ O endereço de Dona Rosalia é na Rua Bocaiúva nº 109, Ilha do Governador.
  Vá até a Praça XV e se dirija as Barcas. E não se esqueça! Não pegue táxi ou ônibus.
  O caminho deverá ser feito exclusivamente através das vias marítimas.”

Rumo à Ilha

Bonner não perdeu tempo e preparou sua aventura pela Baía de Guanabara. Não demorou muito e ele já estava sentado em uma das centenas de cadeiras de madeira da barca Centro x Ribeira. A viagem demorava 1 hora e ele teria tempo de sobra para pensar no que iria acontecer durante o encontro com Dona Rosália.

Perdido no meio do oceano atlântico, Bonner lembrou que andar pela Ilha do Governador não era tão simples assim.

Com o fim da ditadura o bairro deixou de ser dominado pelos militares e sua história é muito parecida com a antiga Iugoslávia. Depois de incessantes guerras entre os diferentes povos que habitavam o mesmo território, atualmente a Ilha é divida em 14 bairros mais a Cidade Universitária (Ilha do Fundão). Os dias difíceis foram relatados com maestria por Rachel de Queiroz – ilustre ex-moradora – no livro As praias de rosas e balas.

Logo após chegar à Ilha, Bonner se encontrava sozinho, com fome e perdido. Ao perguntar qual seria a melhor maneira de chegar ao local indicado, um camelô respondeu:

- De kombi.

Com o bom humor afiado de sempre, Bonner falou para si mesmo, baixinho:

- Camelô, kombi, barca velha...cheguei em Ciudad del Este e não me avisaram...
 
Na Kombi

A população de uma cidade ou bairro apresenta características comuns ao longo do tempo. E Bonner não demorou em perceber isso.

Rapidamente ele fez uma associação entre fatos.

Quando se vai à Lapa (RJ), é comum encontrar alguém tocando chorinho. Quando se vai à Buenos Aires, é mais que normal que dois homens se beijem na boca. E quando se anda de Kombi na Ilha do Governador, é batata: O trocador vai ter dislexia funcional.

- OSINHÔRPODERIAADJANTARAPASSAGI !!!

“Ahn?”, retrucou nosso amigo paulistano

- PUDERIAADJANTARAPASSAGI !!!

E lá foi Bonner tirar *NCz$ 1,50 do bolso.Em seguida, perguntou o ponto certo em que deveria descer do veículo. O trocador indicou que já era o momento certo e gritou para o motorista

- PODIDARUMAPARADINHAAKIPUAMIGODESSER !!!

 “Obrigado”, disse Bonner

- VALEUBRAÇU

*Cruzado Novo
 
Enfim, a Casa de Dona Rosália

Localizada no meio de uma ladeira e em frente a uma Igreja Batista, a casa de Dona Rosália se destacava das demais.

Era horrível!!!

Após tocar a campainha, uma senhora de aproximadamente 60 anos, cabelos loiros e usando uma roupa que não faria feio na ala das baianas da Mangueira pediu para que ele entrasse.

Ao chegar à sala, Dona Rosália solicitou que Bonner sentasse em frente a uma pequena mesa de vidro. Sobre o móvel havia um baralho turco organizado em um formato que lembrava uma canastra.

De saco cheio e sacana como sempre, Bonner não deixou por menos.

- Tá suja

 “O que? A mesa?”, perguntou Dona Rosália

- Não, a canastra...

- Mesmo? É porque você não viu minha virilha!!!

E na hora Bonner lembrou.

Em 1989, diferente do SPTV, a TV PIRATA era campeã de audiência e fazia escola.

Afinal, o que fazia Dona Rosália

Dona Rosália tinha fama de ser uma das mulheres mais místicas do bairro. Conhecida por realizar cultos ao ar livre e feitiços, ela dominava com maestria a religião e a cultura africana, principalmente de países como Angola e Congo. Com freqüência conversava com espíritos e adivinhava o futuro das pessoas ao seu redor. Também era curandeira e fazia a conexão entre o mundo dos mortos e o mundo físico.

Resumindo. Dona Rosália era uma MACUMBEIRA.

E das brabas! Daquelas de pintar a sobrancelha de preto e os pentelhos de vermelho.

Só pra agradar o “tinhoso”.

Mas como todo mundo sabe, o horário comercial da macumba é de 00h00min as 05h: 00min da manhã. E como em 1989 a inflação beirava os 90% mês, nada melhor do que tirar um “troquinho “ de dia atuando como cartomante. A situação era tão ruim que até estelionatário trabalhava em 2 turnos.
  
A Consulta

A verdade é que o início da conversa não foi nada amistoso para Bonner.

Pior do que levar um fora desconcertante, é conversar com alguém que você SABE que está com a virilha “catinguenta”.

Depois do – belo – fora e por cima da carne seca, Dona Rosália emendou na conversa.

 - Afinal, o que você quer?
 - Foi um conselho do meu chefe, o Armando Nogueira. A Senhora o conhece pessoalmente?
- O nome não é estranho. Quem estava sempre aqui era o estagiário dele.
- Não sabia. Provavelmente foi conselho do Armando também.
- E qual era o conselho?
- Que lhe procurasse e aprendesse com você os caminhos de uma vida vitoriosa no Rio de...
  
A espiã ninfomaníaca

Dona Rosália e Bonner não sabiam, mas havia uma terceira pessoa presenciando a conversa dos dois. Escondida no segundo andar do imóvel, próximo a escada, a filha da cartomante prestava a atenção na conversa e principalmente em Bonner. E de lá mesmo se escutou sua voz aguda.

- Mãeeeeee...
- Que foi menina? Não se tocou que estou ocupada
- Mas é urgente!
- Urgente? O que é urgente?
- A filha da Bajerê Wanda ligou. Disse que a Wanda está muito doente e suplicou por sua ajuda.

Dona Rosália considerava Bajerê Wanda como uma mãe. Pediu desculpas a Bonner e saiu depressa pela sala em direção ao portão da casa.

Bonner, com um sorriso preso no canto da boca, pensou sozinho

- Quando uma pessoa começa a ser chamada de “Dona”, é porque está velha. Agora imagine alguém com a alcunha de “bajerê”? Deve ter uns 150 ANOS!!!

Quase sem tempo de rir da sua própria piada, Bonner foi surpreendido por uma voz ao pé do ouvido

- Oiiii...

Assustado, Bonner percebeu que a voz era a mesma que segundos atrás havia conversado com D.Rosália. Mas dessa vez, o tom agudo foi substituído por um sussurro proibido para menores de 21 anos.

“Oooo...oi”, respondeu envergonhado
-Tudo bem? Eu poderia saber ao menos o seu nome?
- Sim. William...William Bonner. E o seu?
- Vitória. Muito…mas muito prazer.

A gagueira de Bonner tinha um único motivo. E o motivo, uma única peça de roupa.
  
O Ataque

Imobilizado na cadeira, Bonner tentava disfarçar o nervosimo. Vitória percebeu e isso fez com que ela ficasse ainda mais assanhada.

- E o que você faz da vida?
- Sou..sou apresentador de TV.
- Hmm..então você gosta de apresentar , né?

Vitória, tão desinibida quantos as famosas Chacretes, não perdeu tempo e colocou a mão entre as pernas de Bonner. E depois, apertou o “Velho Guerreiro” do jornalista.

Willian estava tão agitado que suava até pelo dedão do pé. Afinal, o seu sucesso com as mulheres cariocas estava idêntico ao seu sucesso na sede da Globo no Jardim Botânico: Nulo !

Era certo que a fórmula misturando mulher bonita, ansiedade e lugar impróprio só iriam resultar na queda do “pico de audiência”. E em 1989, Viagra ainda era coisa de ficção cientifica.

O Retorno de Jedi...digo, de Dona Rosália.

Ao mesmo tempo em que Vitória tentava aumentar a taxa de natalidade brasileira, Dona Rosália batia o portão, enfurecida. E não era pra menos. Além de ótima saúde, Bajerê Wanda ainda cobrou uma antiga dívida do ano de 1986. Afinal, Wanda era Bajerê, mas não era otária.

Quando Dona Rosália colocou o pé na sala, levou logo um susto. Seus olhos avistaram Vitória, que de pura só tinha a seda do baby doll, mostrando para Bonner sua bela tatuagem no traseiro.

D. Rosália ficou tão nervosa que quase fez conexão direta com o belzebu ali mesmo. Ela não sabia, mas a única coisa pueril no bumbum de Vitória era o desenho da Constelação de Virgem.
  
Minha filha? Uma santa!!!

De católico e hipócrita, todo mundo tem um pouco. E Dona Rosália, rainha dos terreiros, não era diferente quando o assunto era a “pureza” de sua filha única.

-- Minha Nossa Senhora!! Meu Espírito Santo! O que está acontecendo?

- Mamãe!Mamãe!Esse rapaz é um tarado!

“Eu? Mas eu não fiz nada”, se defendeu Bonner.

- Fez, eu vi e espero que tenha aproveitado, porque foi sua ultima vez. Vitória, segura o gaiato, pois preciso de um chumaço de cabelo dele.

Bonner não batia tambor, mas sabia que esse tipo de oferenda só tinha um resultado.

O PAU DELE IA CAIR!!!

A Fuga

Com uruca sexualmente transmissível não se brinca e Bonner sabia disso. Sem tempo para pensar em uma fuga espetacular, ele improvisou. Em um dos cantos da sala existia uma estátua de um Preto Velho. Estilosa, a entidade tava “chic que só ela”. Toda “trabalhada” na farofa amarela, ela vestia sapato branco, calça e camiseta de linho, fumava um cachimbo de ouro e segurava uma champanhe. Sidra Cerezer, claro.

Mas outro enfeite chamava muito mais a atenção. Provavelmente para se proteger do sol carioca, o “sinhô” usava um chapéu de palha enorme. Bonner não perdeu tempo e colocou o adereço na cabeça, com o objetivo de proteger a cabeleira.

Ele não era preto. Não era velho. Entretanto ele tinha a obrigação de fazer milagre.

E lá se foi o nosso jovem jornalista. Primeiro se esquivou da ninfeta. Depois, deu um drible de corpo na coroa. E por último, cantou a musiquinha MacGyver, só pra tirar onda.
  
De volta pra casa

Bonner desceu em disparada e entrou no primeiro táxi que passou em sua frente. A maré – de azar – tava cheia e pegar a barca estava fora de cogitação. Seu medo não era a embarcação afundar e ele ficar à deriva. Nadador desde criança, seu pavor maior era entrar em contato com as águas da Baía de Guanabara. Considerado o maior esgoto a céu aberto do mundo, Bonner sabia que depois do primeiro mergulho o máximo que ele iria conseguir era uma vaguinha no X-MEN.

Após um dia longo e pronto para entrar no prédio em que morava, localizado no Largo do Machado, Bonner encontrou um bilhete no fundo do chapéu. O texto novamente era curto e objetivo.

“Jaie Obi Odindi Resesele Gbodo Adun
Adupe Caô Ipetê
Quendar Saponan Sarava”

Ao lado do bilhete havia vários corações desenhados. Bonner não conseguiu traduzir o recado, mas para ele era claro que a mensagem emanava vibrações positivas e pregava a paz, a harmonia e a união entre as pessoas.

Sua emoção era visível. Depois de um dia longo, em que a maldade e o egoísmo foram predominantes, Bonner sentiu sua fé ser renovada através daquelas palavras, que mesmo desconhecidas, tinham apenas 1 significado: Viva o Amor!

Bonner precisava compartilhar isso de alguma forma. Em sua direção, caminhavam 2 idosos de mãos dadas. Feliz, o casal era conhecido por todos como exemplo perfeito de dedicação mútua e carinho.

Bonner os abordou e com gentileza ofereceu o chapéu como presente. Mesmo surpreso, o casal não poderia recusar este mimo de um rapaz tão educado.

O casal continuou sua caminhada e Bonner subiu em direção ao seu apartamento se sentindo leve e certo de que tomou a atitude certa.

Ele só não sabia um detalhe. Abaixo, a tradução livre do bilhete.

" Que coragem hein mizifio!! Porque roubar chapéu de Preto Velho, comer mulher de policial e beber cachaça de despacho não é pra qualquer um não"

**

E a família e os amigos foram eternamente gratos pelo apoio em um momento tão difícil.

Marilia Santiago do Santos - 1910 † 1989
José Domingues Araujo    - 1905 † 1989
 
Um Final Feliz

Rio de Janeiro, 27 de Março de 1989

Willian acordou às 06h00min de segunda-feira tão suado que mal conseguiu levantar da cama.Depois de um final de semana desafiando seres do além, nada mais justo do que receber em troca um calor "dos infernos" e um sol "dos Diabos".

Logo após tomar banho e colocar o terno, Bonner seguiu em direção aos estúdios da TV Globo. Armando e Boni haviam marcado uma reunião para definir o futuro do apresentador e ele estava ansioso. Mas antes de entrar na sala indicada, Armando dá uma piscadela para Boni e pede 5 minutos em particular com Bonner

No meio do corredor Bonner também encontra o estagiário de Armando. O "Mestre das Palavras" e o estudante, sem conseguirem disfarçar o sorriso no canto da boca, perguntam na maior cara de pau.

- E aí William, já começou sua caminhada "Vitória-osa" no Rio?

William fez aquela cara de Cid Moreira anunciando tragédia e respondeu

- Começa em 5 minutos...

E foi mesmo. O rápido encontro foi para confirmar Bonner como o âncora do Jornal da Globo.Feliz, ele seguiu rumo à redação para encontrar a sua companheira de trabalho.

Seu nome era Fátima Bernades.

E daí pra frente a história todos conhecem.William e Fátima se casaram, tiveram 3 filhos e viviam em companhia constante com a tal felicidade.

Até que um belo dia, um blogueiro sem ter o que fazer inventou um conto sobre o início da carreira de Bonner e de repente....





13 comentários:

  1. Essa história foi inventa neh?
    Não é verdadeira! Não pode ser! Parabéns pra quem escreveu!

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  2. Como assim....inventada ?

    É claro que é verdadeira...

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  3. Foi o próprio Bonner quem lhe contou essa história?

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  4. Sim, moramos no mesmo condomínio no Complexo do Alemão

    Abs

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  5. Huuuuuuuuuuuuuuuuuuuá... Cê vai brigar se eu disser que ri mais aki nos comentários do que no tst?

    Mais uma vez: A.D.O.R.E.I.

    Sou só elogios! Um post melhor que o outro, serio msm. A menção da Rachel, a brincadeira com as Kombis, as referências a Armando Nogueira.. Tenho muito prazer em ler teus posts!

    Beijos!

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  6. porra.. txt.. merda de teclado do mac.. rs

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  7. kkkkkkkkkkkkkkkkk morri com o texto, muito bem escrito, parabéns!!!

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  8. lhe rendeu boas risadas e não me rendeu dinheiro nenhum !!!

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  9. Ótima história!!! =D
    (@material_girl__)

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  10. Que graça a gora vou passar sempre por aqui....rir muito com tudo isso bjs....Jéssica Bonemer.

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